segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Os dias mudos

"Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda."
Cecília Meireles

A névoa já se dissipa sobre a terra.
O sol brilha cabeças metálicas
De homens gélidos e faces opacas.
Ao céu agudas pontas de sabres
Atrás de escudos e emblemas caveiras,
Suas insígnias de batalha.
Vieram como tropel de dez mil cavalos,
O ruído intimidador de cascos
Num choque de romanos e cartagineses.
Mas não há cartagineses, não há romanos.
Apenas vozes. Estudantes. Professores.
Apenas frio nas veias e ecos nas paredes!

Indignações e ódios,
Maldições e escárnios.
Ao reitor militar, intolerante,
Já cruzam os ares quinze mil palavras!
A arena fervilha, a assembléia se inicia.
Sobre a mesa muitos nomes e a planilha
Entre flores do campus ao meio dia.
O moço tem a palavra, ele tem sede.
Como tem sede de palavras o moço!
Os ares se inflamam, o momento é incerto.
Olhar atento, ouvidos abertos,
A multidão tensa lhe é toda silêncio,
As palavras já ressoam como trombetas!

Dos estudantes a universidade,
O que era antes:
Salas, laboratórios,
Livros, microscópios,
O que o conhecimento encerra
Já sob cacetetes e sabres
Explode em campo de guerra.

Do saber lhes era o recanto:
A discussão, os jardins, o bucólico.
Agora o caos e o espanto,
O prejuízo e a dor
Que cabeça insana dita e ordena,
Espalha o medo e o terror.
Avança a bestial tropa e a fúria.

A multidão é dispersa e atônita.
Moças pelos cabelos à mercê das botas
Aos indefesos olhares e gritos de injúria.
Centelhas e estampidos.
Querem sair os nervos do corpo.
Estarrecem os olhos, é grande o alarido.

Besta fera solta a trucidar.
Feridas em gotas, cérebros em flocos,
Cacetetes nos corpos,
Balas pelo ar!

Na paisagem repousava o olhar:
No campus as flores,
No céu tons de cores.
Antes ao tranquilo caminhar
Vivemos os estudos e os amores.
Hoje ao dia tenso e ao clamor,
Os arbítrios do algoz, o pavor,
E nossa voz que não quer calar!
De perseguições, os absurdos,
De agora tristes dias, os dias mudos,
E cheiram a morte pelo ar.

Trepida toda a praça,
Mas o horror sepulcra o alvoroço.
Dos livros já sobe a fumaça.
No chão o corpo inerte do moço.

A razão ao léu,
Vencem os fuzis as canetas.
A barbárie na terra, fumo ao céu
E o regozijo das bestas.

O céu é lindo!
Esta tarde é triste.
Um amigo ao limbo
E padece quem assiste.

Por que chora o companheiro,
Tão tenso seu rosto?
Então não sabes?
Honestino Guimarães é morto.

Homenagem a Honestino Guimarães, estudante da Universidade de Brasília, desaparecido em 10 de outubro de 1976.
Frase da preferência:”Os poderosos podem matar uma, duas, até três rosas, mas jamais deterão a primavera”. (Che Guevara).

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